quarta-feira, 13 de novembro de 2013

«O BOTÂNICO DE LISBOA»

Celebram-se hoje os 135 anos do Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, mais conhecido por Jardim Botânico de Lisboa. Nas palavras de Robert Chodat, botânico suíço da Universidade de Genebra, "este jardim é, sem contestação, uma das maravilhas do Sul da Europa", "graças a um clima em que a flora tropical prospera tanto como a da zona temperada," como descreve Thomas Mann, em As Confissões de Félix Krull. Este ano, as comemorações são duplamente celebradas, uma vez que o projecto de renovação do Jardim Botânico foi o grande vencedor do Orçamento Participativo de Lisboa (OPLx13).

Não deixa de ser curiosa a data deste aniversário, 11 de Novembro, oficialmente instituída apenas há dez anos. Dos registos históricos sobre os primeiros passos para a implantação do Jardim Botânico surge a contratação, a partir de 1 de Novembro de 1873, do primeiro jardineiro, Edmund Goeze. Ao fim de cinco anos atribulados, entre subfinanciamento e desastres naturais, as obras foram dadas por terminadas em 1878. A selecção da data teve em conta o marco que representou a contratação do primeiro jardineiro e o período de Novembro frequentemente favorecido pelos dias de Verão de S. Martinho, potenciando a atracção do público em período outonal. A generosidade e humildade que S. Martinho representa do ponto de vista litúrgico, aliada à exuberância e festa pagãs que esta época de
fins de colheita arrasta, serviram ainda como metáforas criativas. Convida-se o público a deixar-se arrastar pela simplicidade e beleza do espaço, usufruir da luz reflectida entre as árvores, ainda mais mágica neste período do ano, ouvir os sons da natureza, inaudíveis no rebuliço da cidade ao lado e vivenciar um jardim que transmite conhecimento científico, cultura e sensibilidade. Por isso, nesta data oferecem-se sempre programas variados que misturam o lúdico à ciência. Sendo um jardim da universidade, sempre se procurou abrir para a cidade.

Ter sido o primeiro premiado no concurso do OPLx13 foi uma lufada de esperança para a renovação do jardim. As obras de fundo, estruturantes, devem ser as urgentes a realizar para permitir a manutenção e sustentabilidade deste espaço único de Lisboa. Desde a sua criação, o jardim tem sentido as amarguras da falta de verbas e financiamento em detrimento de outros valores considerados na altura, como agora, de maior prioridade. Mas as condições de subfinanciamento deram corpo a uma manifestação colectiva, organizada e perfeitamente determinada de todos os trabalhadores do museu, funcionários, investigadores, bolseiros e voluntários, que transmitiram o seu carinho e angústia, motivaram empresários, lojas de bairro, cafés, a apelar ao voto junto de milhares de lisboetas. Foi uma verdadeira demonstração de dedicação cívica promovida em prol do Botânico, possibilitando o milagre da multiplicação de votos para vencer o concurso do OPLx13. Esta movimentação cívica teve um impacto maior do que muitas outras manifestações, porque uniu os medos e desesperos e potenciou a confiança em torno de uma mistura de afectos e valores, cultura, conhecimento, sensibilidade, verdadeiramente inspiradores.

Desenganem-se, porém, todos aqueles que julgam que este prémio vai resolver todos os problemas que o jardim enfrenta. Para além da degradação do jardim, há uma profunda desagregação da estrutura
humana. É bom não esquecer que um jardim botânico é um museu vivo, científico. Não pode ser cuidado nem mantido apenas com voluntários ou serviços de outsourcing, tão em voga. Por ser um jardim científico tem por detrás toda uma estrutura de investigação com base nas suas colecções, assegurada maioritariamente por bolseiros de contrato temporário. Ao longo dos últimos dez anos houve um salto qualitativo na investigação e promoção científica em torno das colecções, da conservação da biodiversidade, da digitalização e disponibilização de dados. Perante as ameaças globais, como as da mudança climática, este conhecimento é fulcral para fornecer dados necessários à predição de alterações, presentes e futuras. Tem sido ainda o jardim científico a fornecer informações ligadas às metas para a conservação da biodiversidade a que Portugal está obrigado a responder a nível internacional.

A grande maioria da sociedade desconhece ou não compreende que um jardim botânico é muito mais do um espaço lúdico; tem uma missão científica que envolve a ligação aos grandes debates sociais e ambientais. Por isso, o futuro do Botânico de Lisboa dependerá, em muito, de novas estratégias inovadoras e criativas que evitem a sangria de quadros especializados que têm sabido criar valor acrescentado e capacidade de mobilização de causas, como esta em volta do OPLx13.

Maria Amélia Martins-Loução
Professora catedrática da Universidade de Lisboa e ex-Directora do Jardim Botânico

in Jornal Público 11-11-2013

Foto: Três exemplares de Araucaria heterophylla da Ilha de Norfolque no Arboreto do Jardim Botânico (fotogarfia de Fernando Jorge)

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